Olá Francisco, bom dia.

Sou aluna da Universidade Metodista e estamos criando um blog sobre cordel para quem mora na região sudeste. Não sei se a minha dupla, a Amanda, já conversou contigo sobre essa entrevista pois ela me passou a informação de que teríamos a sua autorização para utilizar alguns textos seus. Seguem a baixo algumas perguntas sobre o cordel para postarmos em nosso blog www.cordelsp.zip.net que colocaremos juntamente com algo que você tenha escrito.

Estamos à disposição para dúvidas, porém precisaria ter um feed back com as respostas até amanhã, seria possível?

Agradeço desde já pela atenção e aguardo retorno.
Thaís

1) Conte um pouco da história do cordel, como ele chegou ao nordeste e se tornou parte da cultura popular.

O cordel chegou aqui na época do Descobrimento com os navegadores. Foi trazido de Portugal, onde era vendido como "folhas soltas". Dentre tantos que vieram ao Brasil, com a missão de colonizar, como pintores, alfaiates, mestre de obras, marceneiros, religiosos, etc, vieram também os poetas, trovadores, que tinham a incumbência de alegrar/divertir os nobres, mas o povo logo toma para si essa manifestação.
Salvador era a porta de entrada - a primeira capital - e Recife um dos principais centros, pois abrigava a Capitania poderosa. A partir daí a poesia popular ganha o interior do Nordeste, chega à Paraíba, mais precisamente à Serra do Teixeira e Pombal, que se transformam em cenários para o surgimento da cantoria de viola. O nordestino com sua criatividade ímpar fez uma releitura da poesia lida e cantada pela nobreza e inventou o repente. Surge o violeiro, que animava as festas populares e realizava desafios, pelejas nas noitadas, domingos e feriados.
Acreditamos que Leandro Gomes de Barros, nascido em Pombal, ao perceber o interesse do povo pela poesia cantada, teve a iniciativa de imprimir as histórias e vendê-las nas feiras. Deu certo, o folheto virou meio de comunicação do interior do Nordeste, uma vez que, na época, não havia rádio, nem jornal, com excessão das capitais. O que acontecia nas redondezas era noticiado em cordel. A população adquiriu o hábito de comprar um cordel toda semana. Ao fazer a feira de legumes, carne, frutas, etc, comprava também um título de cordel, que era lido em reunião familiar. Com isso, muitos aprenderam a ler. O folheto era um estímulo importante para que analfabetos perdessem essa patente. Pelo fato de semanalmente o povo comprar um folheto, verificamos ainda hoje, parentes de colecionadores com baús cheios de folhetos antigos.

2) Quais outras culturas, costumes, fazem parte do cordel?

O que caracteriza nossa poesia popular eu resumo em: OS ELEMENTOS DO CORDEL:
A estrofe(quadra, sextilha, setilha, décima/glosa) - O verso - A rima - A MÉTRICA (indispensável) - O verso branco - A deixa - O mote - A capa em xilogravura, com fotografia ou clichê - O título - O número de páginas em múltiplos de 4 (8, 16, 32, 64) - O autor(Cordelista) - A história - O romance - O folheto - O grampo - O grampeador - A tipografia - A gráfica - A viola - A data - O local da escrita - A feira - O cordão - A banca - A bancada - O recital - O canto - A declamação - O poeta - O papel jornal - O preço baixo - O Nordeste - A Paraíba.

3) Por que o senhor acha que é tão difícil essa cultura atingir os grandes centros de outras regiões do Brasil como São Paulo por exemplo?

Eu não acho que é difícil o folheto chegar aos grandes centros. Com o advento da internet, ele já chegou. Por exemplo, o nosso site tem uma média de visitantes de mais de 100 pessoas por dia, isso significa mais de 36 mil pessoas por ano, lendo cordel, sem pagar nada, mas lendo. E veja que não fazemos publicidade alguma do site. O mercado editorial ainda não despertou para a lucratividade que o cordel pode oferecer, obviamente com uma boa dose de propaganda. Agora o resgate vai acontecer mesmo quando a escola adotar o cordel como livro didático, para-didático, fonte de pesquisa, etc. Imaginemos se os governos se interessassem em comprar títulos e distribuíssem para estabelecimentos públicos de ensino de todo o país?! Criaríamos rapidamente um mercado consumidor. Quantos empregos seriam criados?! Imaginemos se os governos, especialmente os do Nordeste adotassem uma política de incentivo e publicidade do cordel. Quantos milhões de turistas não comprariam cordel, como compram artesanato?! Também acredito que quando a grande mídia, especialmente a rede globo, veicular em sua programação jornalística, novelas, entrevistas, programas de auditório e em anúncios publicitários sobre a importância do cordel, teremos um grande avanço na comercialização dos títulos.

4) Mesmo devagar a cultura nordestina tem se espalhado pelo Brasil desde o inicio da década de 90, principalmente através da música, primeiro com nação Zumbi, hoje com cordel do fogo Encantado, Mundo Livre S/A, entre outros. O senhor acredita que essa abertura pode ajudar a literatura a seguir o mesmo caminho e se popularizar também no sul e sudeste?

Tudo depende de 4 coisas:
4- Do trabalho de conscientização feito na escola, com o professor mostrando a necessidade de se valorizar a cultura popular, o saber do homem simples, a riqueza do trabalho comunitário, aliás coisas apregoadas pelos PCN's, mas que não colocadas em prática.
3- Do investimento feito pelos governos nas áreas de educação e turismo para que o cordel ganhe status, de fato, de patrimônio cultural do povo nordestino e brasileiro.
2- Da atuação da grande mídia ao realizar exposição freqüente de cordelistas, de músicos que abordam em seus trabalhos a temática do cordel, de textos em novelas, filmes, jornais, etc.
1- Da persistência dos cordelistas, pois o trabalho é árduo, posto que não há o reconhecimento devido, muitas vezes enfrentamos dificuldades financeiras para editar os folhetos, além de também sofrermos incompreensões e preconceitos.

5) No meio de minhas buscas por informações na internet encontrei o site da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Qual é a importância desta instituição para a disseminação desta cultura?

Eu acho que a consolidação de associações que abriguem TODOS os cordelistas que queiram participar poderá surtir um efeito mais abrangente na propagação da poesia popular. Não gosto da idéia de um grupo de "elite do cordel". Assim como acho uma besteira Academia Brasileira Disso, Academia Estrangeira Daquilo, Daquilo Outro. Fica a impressão de que há muita burocracia nessas instituições e que fazer parte dos seus quadros não é para todo mundo, mas coisa pra imortal. Todo ser é imortal, desde que deixe algo na memória de alguém ou registrado em algum lugar.
Entretanto acho que a ABLC, enquanto instituição - como qualquer cordelista, amante do cordel ou qualquer instituição -, tem um papel importante na defesa do cordel como patrimônio histórico imaterial, ou seja, fazer com que as novas gerações e futuras preservem e cultivem a beleza peculiar e a riqueza incomensurável de uma cultura popular, da nossa poesia popular.

Cordelista Francisco Diniz
João Pessoa-PB, 19 de novembro de 2005.

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